Capítulo 1 - Minha trajetória de desconstrução

Libertação X Teshuvah

Minha trajetória de desconstrução 



Sei que muita coisa já contei no primeiro livro, mas vou relembrar um pouco da nossa história. Nasci e cresci dentro de um sistema religioso tradicional e minha formação é toda tradicional. Mas no final de 2002 eu tive uma experiência que mudou minha vida para sempre. Estava com depressão e o Eterno me encaminhou para o ministério de libertação. Fui curada da depressão e de muitas outras doenças físicas, emocionais e espirituais. Então mergulhei nesse assunto, que acabou resultando no livro Libertação é confissão de pecados, publicado em fevereiro de 2007.

Depois dessa experiência, ficar na igreja tradicional foi impossível, porque uns 99% não aceitam libertação. Ainda tentamos frequentar uma igreja da mesma denominação, mas não tão tradicional e que estava começando a implantar ministério de libertação. Porém, além de ser longe de casa, nós já estávamos em outros processos de desconstrução que o Eterno estava nos levando, então ficamos pouco tempo por lá. Nesse meio tempo ajudamos uma comunidade não-tradicional perto de casa, mas não nos filiamos como membros, éramos apenas voluntários.

Libertação foi apenas o primeiro passo. Eu achei que aquilo era tudo, mas o Eterno foi nos levando a tantas outras revelações. Nunca imaginei que isso tudo iria acontecer com a gente.

O processo atual começou no início de 2008, quando li o livro Igreja orgânica, logo depois fiz um curso sobre Evangelho do Reino e depois li o livro Cristianismo pagão. Isso aconteceu quase tudo junto, em três ou quatro meses. Foi uma pancada na cabeça atrás da outra.

Tive respostas aos meus questionamentos mais profundos, e descobri que não estava maluca, não tinha problemas de relacionamento (como os sacerdotes religiosos gostam de afirmar sobre os revolucionários) e que não era a única insatisfeita. Descobri que havia um movimento no mundo todo, de pessoas saindo do sistema para manterem sua fé. Descobri que a insatisfação que eu tinha com o sistema religioso não era porque sou crítica demais ou desajustada, e que essa insatisfação na verdade estava sendo gerada pelo Eterno. Descobri que realmente havia algo errado com o sistema religioso e que muitas pessoas ao redor do mundo estavam voltando às raízes bíblico-judaicas e vivendo em comunidades pequenas, praticando a Torah, a comunhão, o partir do pão, em oração, simples, sem religiosidade, sem templos milionários.

Não foi muito fácil sair do sistema, mas não havia outro jeito para nós. Este caminho é um caminho sem volta, ou seguimos o que o Eterno está nos mostrando, ou ficamos trocando uma jaula pela outra e eternamente insatisfeitos. E nós queremos viver o que ele tem nos dado, o novo dele a cada dia, não queremos rejeitar nada.

Aconteceu também que outras pessoas que conhecíamos estavam vivendo o mesmo momento, e quando começamos a compartilhar essas coisas, entendemos que todos estávamos vivendo os mesmos conflitos, as mesmas angústias, mas cada um no seu canto, cada um se achando o mais problemático do mundo. E quando descobrimos que não estávamos sozinhos, começamos a nos encontrar apenas para conversar sobre essas coisas novas. E o Eterno começou a trazer textos e experiências de forma sobrenatural para nós. E fomos recebendo confirmação de que estávamos no caminho certo.

Além de começarmos aprendendo a guardar o shabat, também fomos aprendendo a cumprir a Torah, que para nós não foi abolida. E ainda estamos aprendendo, porque não temos realmente uma referência de como fazer isso e não queremos idolatria à Lei, – como muitos religiosos fazem –, queremos apenas cumprir a Torah. Não queremos seguir regras humanas e cheias de religiosidade. Buscamos o equilíbrio.

Aos poucos temos mudado nossos hábitos. Começamos a praticar a alimentação bíblica de Levítico 11, a alimentação kosher. Não comemos carne de porco, frutos do mar, peixe sem escamas, nem misturamos carne com leite e derivados. E aprendi com um nutricionista israelense a tirar o sangue da carne comum comprada no mercado, porque carne sem sangue desde o abate é difícil de encontrar no Rio de Janeiro.

Seguimos o calendário de Israel e não o gregoriano. Celebramos apenas as festas bíblicas de Levítico 23, que são decreto perpétuo, e não celebramos as pagãs, como por exemplo o Natal.

E o shabat tem sido um aprendizado progressivo. Estamos nos disciplinando para não fazer as coisas que todo mundo sempre reservou para o sábado, como fazer faxina, ir ao mercado etc. Aqui em casa – isso já há muitos anos, não só agora –, eu não lavo roupas, não vou ao mercado e não faço faxina aos sábados. Só se for uma grande emergência. Temos procurado descansar, visitar tios idosos, fazer boas ações. Também entendemos que shabat deve ser em família. Temos procurado fortalecer o conceito de família e na nossa visão não precisamos de um sistema religioso para ensinar a Torah aos filhos, isso é papel dos pais.

Não usamos mais o nome que entendemos ser de origem pagã (Deus), mas como não temos certeza absoluta ainda do nome original, porque há tanta polêmica e tantas opiniões diferentes, então usamos YHWH ou Eterno, até que tenhamos a plena convicção e confirmação de qual é o nome verdadeiro. Entendemos que nome próprio não se traduz, então, não queremos usar as traduções, queremos o nome original.

Claro que somos considerados malucos, hereges etc etc. Amigos e familiares religiosos não entendem o que estamos vivendo e alguns nem falam mais conosco. Não porque ficamos falando que eles deveriam viver o que nós praticamos, mas porque eles não aceitam o nosso posicionamento e querem nos convencer do contrário. O que tem acontecido é que eles nos criticam simplesmente por dizermos não a alguma coisa. Como aconteceu em um churrasco na casa de um parente, quando ele me ofereceu linguiça, eu disse 'não, obrigada'. E ele perguntou se a minha religião não permitia. Eu só disse que a Bíblia proibia. E como aconteceu no dia 31 de dezembro, quando uma pessoa me telefonou e perguntou onde eu iria comemorar o réveillon. Bem, eu só respondi a pergunta e disse que não comemorava mais o Ano Novo gregoriano. Aí tive que ouvir um sermão e a pessoa ficou um bom tempo sem falar comigo. E só respondi a pergunta, não falei mais nada, não a condenei por ela comemorar o réveillon, eu só disse que não comemoro e isso bastou para criar um problema. E várias pessoas me fazem um sermão e me acusam de estar seguindo 'seita', quando digo que agora acredito que não vou morar no céu, que vou reinar na Terra. Sempre peço que citem pelo menos meio versículo, só meio versículo, que diga claramente, com todas as letras, que os ser humano vai morar no céu, mas não tenho resposta.

Nós não obrigamos ninguém a fazer o que fazemos. Mas queremos ser respeitados na nossa posição. Se a pessoa quer comer carne de porco, que o faça, isso é problema dela, mas não pode querer que eu coma e deveria respeitar o meu direito de dizer não. Assim também em todas as outras coisas. Não sei porque se ofendem tanto com o fato de querermos obedecer e cumprir a Lei. Para nós a Lei não foi abolida.

Mas apesar de tudo isso, não trocamos o que temos vivido por nada deste mundo. Eu só posso dizer que nunca fui tão feliz, nunca me senti tão perto do Eterno e a cada dia ele me confirma de que estou no caminho certo, principalmente pelas perseguições que temos sofrido.