Capítulo 6.5 - Minha trajetória de desconstrução 2

Desconstrução


Minha trajetória de desconstrução 2 



O tempo vai passando e eu aqui pensando em tudo o que tenho vivido nesses últimos anos, desde dezembro de 2002, depois que começamos o processo de libertação e teshuvah, e desde o início de 2008, que além de viver mais intensamente a teshuvah, temos vivido a desconstrução do sistema religioso.

Quando paro e olho para trás e vejo o que o Eterno fez na nossa vida e onde ele nos tem levado, fico maravilhada. Jamais poderia imaginar que tudo isso aconteceria conosco. Lógico que nunca me passou pela cabeça deixar de ser membro de uma igreja. É como diz o autor de um artigo que li: “Se tivesse vislumbrado meu futuro, acho que teria um ataque de desespero ao saber que um dia deixaria de frequentar a igreja. Hoje olhando para trás, quase fico constrangido com o modo como eu pensava e vivia minha fé”.

Houve algumas mudanças que já citei, e outras que aconteceram depois. Uma delas é que não estamos mais nos reunindo para estudo e discipulado no domingo, toda semana, como fazíamos no início. Entendi que a desconstrução tem que ser total e não pela metade. E fazer reuniões todo final de semana, com obrigação de preparar local, lanche, estava se transformando em outro caixote. Era cansativo e não nos dava liberdade para viajar, visitar os amigos e familiares. Então demos férias às reuniões e continuamos nos encontrando esporadicamente, às vezes na casa de alguém para debater algum assunto novo, às vezes um café no shopping, ou às vezes, o que eu prefiro, saímos para passear e aproveitar os espaços públicos maravilhosos que temos no Rio de Janeiro. Como o amigo Marcos costuma dizer, preferimos "culto" ao ar livre. E nos passeios brincamos, corremos, gastamos calorias e conversamos muito, compartilhando o que o Eterno tem feito na vida de cada um. Sem liturgia, sem religiosidade, sem pauta. Completamente livres. E as férias se tornaram permanentes e estou amando ser livre disso também.

Nosso foco sempre foi e continua sendo fortalecer as famílias. Com os membros de cada família orando e estudando juntos, vivendo o Reino diariamente. Entendo que o Eterno não criou igreja institucional, ele criou a família. E temos visto o quanto isso é importante, a família aprendendo unida, como manda a Torah, “Ensine-as com persistência a seus filhos. Converse sobre elas quando estiver sentado em casa, quando estiver andando pelo caminho, quando se deitar e quando se levantar” (Deuteronômio6.7). Ou seja, vivendo o Reino todos os dias, em qualquer lugar.

Claro que no início da desconstrução havia até uma vaga ideia de talvez quem sabe um dia criarmos uma igreja diferente. Mas hoje vejo que não era esse o plano do Eterno, de jeito algum. E agradeço a ele por isso. A liberdade que vivemos hoje não tem preço.

Como sempre digo e vale repetir: Não quero trocar seis por meia dúzia, nem uma jaula pela outra. Não quero desconstruir um caixote e construir outro. E por isso não poderíamos montar uma comunidade formal. No processo de desconstrução, não basta apenas destruir o que existia de errado, é preciso construir algo novo no lugar. E para mim, só posso substituir o que deixei para trás se tiver total certeza de que é algo absolutamente verdadeiro. Mas onde encontro isso? Eu sei o que NÃO é, mas ainda não sei O QUE É. Não tenho certeza de nada. Estou em busca da verdade e tem que vir de uma fonte muito segura. Como costumo dizer, há coisas que só faço se um anjo aparecer no meu quarto. E coitado do anjo, como diz uma amiga.

O fato é que hoje não vejo um grupo religioso em que possa me encaixar. Até procuramos no início, mas agora fico com dois pés atrás. Porque, como já disse no primeiro texto, as pessoas desconstroem pela metade e não têm paciência para esperar a verdade ser revelada e se colocam em novas jaulas. E ainda criticam tudo que aparecer de novo, dizendo que é heresia, que não é do Eterno. Elas param no meio do caminho. Montam só um pedaço do quebra-cabeça e estacionam. E eu quero desconstruir tudo e não metade. Enquanto não souber a verdade, de fonte fidedigna, prefiro ficar reclusa, ouvindo apenas o Eterno.

Quando ouço falar de alguma comunidade vivendo desconstrução, fico observando, investigo tudo, até as páginas dos participantes nas redes sociais. Sim, porque hoje não me considero evangélica, não sou evangélica e tenho vergonha de me identificarem assim. Sei que muitos se escandalizam com essa minha afirmação, mas é isso mesmo. Se ser evangélico é negar a Torah, ou melhor, algumas partes, porque escolhem o que vão cumprir (sempre digo: se pode comer carne de porco, então pode adulterar), e não sou evangélica. Se ser evangélico é fazer festas com as mulheres competindo para ver quem vai mais indecente, definitivamente não sou evangélica. Se ser evangélico é fazer festa caipira, coisa que foi sempre tão criticada pelas igrejas evangélicas e agora todo mundo faz e põe nome diferente, então não sou evangélica mesmo. E a lista é grande, melhor parar por aqui, só para dar alguns exemplos. E nessa investigação percebo que é apenas mais um grupo querendo ser diferente, mas não segue exclusivamente a Torah e ainda está contaminado com ranço, modelo de culto e jargões do sistema religioso, ainda têm pastor, rosh, líder (99% são homens e normalmente machistas), enfim, estou fora disso, com certeza.

E fujo dos grupos que se dizem igrejas caseiras. Normalmente copiam o mesmo modelo de igreja institucional, fazem cultos com modelo louvor/sermão, com professor ou pastor e que só ele pode falar, só que a reunião é na casa de alguém, então seria uma mini-igreja. Mas para continuar nesse modelo, fica faltando a qualidade das grandes igrejas e haja ouvido para aguentar músicas desafinadas, sem instrumentos etc. Isso é trocar seis por três, pior do que trocar seis por meia-dúzia. Em grupos pequenos eu prefiro o modelo discipulado. E depois de ler Cristianismo pagão, para mim é impossível viver o modelo auditório, com a liturgia cantar-cantar-cantar e sentar para ouvir sermão. Isso é uma tortura. O modelo auditório é bom quando são palestras ou cursos, de preferência sem o momento de cânticos no início, que tira o tempo do estudo e parece que é para matar o tempo, enquanto os atrasados vão chegando.

Isso sem falar nas manipulações descaradas da massa, nas manifestações de alma e na exploração do bolso do povo. Depois que vi o documentário Os deuses da Nova Era, fiquei assustada, porque vi ali as técnicas desses cultos esquisitos que via por aí. E depois assisti ao filme Fé demais não cheira bem e tive quase certeza de que os pregadores e líderes de igrejas modernos estudaram na mesma escola do personagem do filme. É igualzinho. Qualquer semelhança não é mera coincidência. Muito sinistro.

Infelizmente até dentro do judaísmo messiânico há uma grande diversidade de pensamentos e práticas e muita, muita religiosidade. Enfim, hoje respondo que sou filha do Eterno e sigo a Torah, mas não tenho religião, nem sou de igreja nenhuma.

Continuo na minha caminhada e busca da verdade. Vivendo um dia de cada vez. Sem estresse, sem pressa, aprendendo devagar, ouvindo apenas o Eterno, praticando aquilo que ele vai me ensinando com paciência, trazendo primeiro um incômodo na minha mente, que vai crescendo até eu pesquisar e descobrir que realmente algo não é apropriado e abro mão de coisas que fazia ou comia, sem sentir peso por isso, sem sentir falta, simplesmente obedecendo.

E é isso que eu quero, obedecer ao Eterno e cumprir a Torah. E me sinto cada dia mais livre para adorar e servir ao Eterno. E estou amando ser livre.