Posfácio - Sem drama, por favor


Sem drama, por favor
Não tem pão? Come biscoito.



O filme Um sonho de liberdade conta a história de um homem que foi condenado injustamente. Quando chegou ao presídio e disse para os outros condenados que ele era inocente, os outros presos riram muito dele e disseram para ele que todos ali eram "inocentes".

Isso me lembra do conselho que ouvimos em vários filmes e novelas, quando alguém é pego em delito, normalmente adultério, um amigo aconselha: "Negue tudo". E isso é confirmado quando ouvimos notícias sobre a prisão de alguém e a reportagem sempre diz que o acusado negou as acusações. Ninguém nunca fez nada.

Enfim, vivemos a era da negação, a maldição do “tudo bem”. As pessoas vivem em um mundo de fantasia, negam que têm problemas, negam que fizeram algo errado, negam tudo. E aí, quando encontramos um conhecido e perguntamos “Tudo bem?”, a resposta tradicional é “Tudo bem, obrigado”, mesmo que não esteja nada bem, mesmo que o mundo esteja desabando sobre a cabeça da pessoa, ela responde “tudo bem”.

Mas se não está tudo bem, se a pessoa está cheia de problemas e ela responde “tudo bem”, isso não seria uma mentira?

Fico pensando nisso toda vez que alguém me faz essa pergunta. Será que devo responder “tudo bem”, ainda que não esteja tudo bem, ou devo falar sinceramente que não está tudo bem? Se eu falar que o mundo está desabando sobre a minha cabeça, a pessoa pode pensar que sou negativa ou pessimista ou só sei reclamar? Mas a pessoa perguntou e não posso mentir. Que dilema!

Sim, isso é bem complexo, mas ando preocupada com as pessoas que negam tudo, vivem em um mundo de ilusão, criam uma realidade que não existe, vivem uma mentira. Não assumem seus erros, não assumem suas escolhas, vivem de aparências, muita hipocrisia. Ah, como o ser humano complica a vida.

Isso é tão grave que a criança já aprende desde pequena a mentir. A mãe vê um objeto quebrado, briga com a criança e a reação dela é mentir, dizer que não foi ela, mesmo que só as duas estejam em casa e não há mais ninguém em quem pôr a culpa.

Reconhecer que tem problema é o primeiro e grande passo para a cura ou solução. Se a pessoa não reconhece que precisa de ajuda, que precisa de tratamento, como vai resolver o problema? Porque se não admite que tem um problema, fica difícil resolver.

Precisamos ser mais práticos e realistas e reconhecer nossos problemas e doenças. Ficou doente? Ore e descubra a causa e trate a enfermidade. Morreu? Enterra (P.S.: Chore, coloque luto, viva o luto, depois TIRE o luto e prossiga com a vida). Caiu? Passa Gelol. Está com dor de cabeça? Toma Melhoral. Quebrou? Joga fora. Errou? Reconheça e peça perdão. Está com problemas? Não esconda, peça ajuda, fale sobre isso. Pecou? Confessa. Alguém puxou sua orelha? Seja humilde, reconheça o erro e peça perdão (ah, mas não, é tanta gente sensível, cheia de não-me-toque, parecendo ouriço, ninguém pode falar nada que os espinhos aparecem). Sujou? Limpa. Não tem pão? Come biscoito. Simples assim, sem drama. Mas as pessoas complicam demais.

Para mim isso é culpa das novelas e filmes (sim, eu assisto, mas com o piloto automático desligado), as pessoas vivem como se representassem um papel e são dramáticas demais.

Isso me faz lembra a história que gosto de contar, de um programa de TV que assisti quando era criança. A história era sobre um casal que assistia a novelas e outro que não assistia. A cena é a mesma para os dois casais, o marido entra na cozinha e a esposa está preparando o café da manhã e ela precisa informar ao marido que o pão acabou e vão comer biscoitos.

O casal que não assistia a novelas reage bem à situação, o diálogo era mais ou menos assim:

— Bom dia, querida.
— Bom dia, querido. O café está pronto, mas o pão acabou, vamos comer biscoitos, tudo bem?
— Ah, não tem problema.
E eles se sentam para tomar o café e continuam conversando normalmente.

Já o casal que assistia a novelas:
— Bom dia, querida.
— Bom dia, querido – começando a choramingar – tenho uma notícia não muito boa para você.
— Que houve, querida – entrando em desespero – fale logo.
— Não sei como te contar, é uma coisa muito triste – diz a esposa aos prantos.
— Conta logo, você está me deixando preocupado.
— Tá bom, eu conto, mas fique calmo: é que o pão acabou – e chora compulsivamente.
— Ah, não, que tragédia – diz o marido e cai em prantos também.
A cena termina com ambos abraçados, chorando como se alguém tivesse morrido.

(Meu sobrinho ria muito quando eu contava essa história e imitava o segundo casal).

É uma boa ilustração de como as pessoas andam dramáticas hoje em dia. Fazem tempestade em copo d’água e tudo vira um dramalhão. E acabam negando a realidade e não conseguem resolver seus problemas.

Precisamos de um choque de realidade, já. E precisamos reconhecer nossos erros e problemas, urgente. Sem drama, por favor.